segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

A navalha da lembrança





Alguém bate a porta,
A noite alta e os calafrios dizem-me que algo maléfico espreita.
Arrasto-me pelos cantos escuros
E sinto o acre cheiro de enxofre.

Lá fora a chuva cai forte
E a porta se abala mais uma vez pelas batidas insistentes.
Falo sem parar,
Palavras que dissolvem-se pela casa vazia,
São reclames,
Maldições de um homem velho e rabugento.

Rabugento homem que escolheu mal as pessoas para amar,
Sempre envolvendo-se em sentimentos difíceis
E hoje vive a angustia de suas perdas.
E na porta não param de bater.

Como fugir dos demônios que atormentam-me
Se boa parte deles habitam em mim?
Sopra o frio vento pela janela entreaberta,
O gélido toque do ar
Traz-me o receio de atender a porta que agora está em silêncio.

Não é hora para se bater na porta da casa dos outros,
Quem será?
Quem será?
Serão meus inimigos prontos para rirem de meus tormentos?
Ou minha amada buscando aquecer sua madrugada fria?
Alguém querendo cobrar meus dividendos?

É muito tarde para se bater a porta de alguém,
Além do que minha amada já se encontra em um reino que não pertence aos vivos,
Não se pode cobrar dividas de quem não tem mais dinheiro e muito menos honra.

Quem bate a porta?
Quem?

De forma quase sofrida ergo-me de meu torpor
E encaminho-me a porta,
Um leve ruído faz-se ouvir.
Garras arranham a porta
E assim num misto de curiosidade e medo
Alcanço a maçaneta e faço a porta abrir-se.

Ela vem,
Abraça-me
E como uma mãe me leva em seus braços
E a noite vai embora
E eu vou com ela.



Diogo Ramalho

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